quarta-feira, 23 de março de 2011

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

Elimar Cristina Lima Tolentino

EDUCAÇÃO: UM DIREITO FUNDAMENTAL

A Educação é um direito social fundamental e só foi reconhecido como direito básico, humano, natural e universal, a partir de 1948 – com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Assim, com o reconhecimento de que “a educação é um direito fundamental e garantia do povo”, a educação passou a figurar como caráter gratuito, obrigatório e público. Por muito tempo, o que importou foi a quantidade de pessoas que receberiam informações preliminares ou elementares. No Brasil, mesmo com o Estado de Direito brasileiro sendo arejado pelos ares libertários franceses, a educação republicana – a partir das elites colonizadoras do Estado – nunca reconheceu a necessidade de se ofertar um ensino de qualidade ao povo. No fundo, a educação de qualidade continua como uma bandeira quase restrita dos professores, e isso desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

O Manifesto dos “Pioneiros da Educação Nova”, foi um documento produzido na Conjuntura da Revolução de 30 e proclamado em março de 1932 por educadores em atividade na época. Este documento, atual ainda nos dias de hoje, propunha novas diretrizes de política de ensino no país, exigindo uma política educacional responsável. Entre outros, subscrevem este documento: Anísio Teixeira, Roquette Pinto, Noemy da Silveira, Paschoal Leme, Fernando de Azevedo e Cecília Meirelles.

O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova tinha por finalidade oferecer diretrizes para uma política de educação. O documento apresentava como causa principal dos problemas na educação a falta em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins da educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas da educação.

Os educadores que assinavam o manifesto defendiam novos ideais de educação e lutavam contra o empirismo dominante na época. Para eles, o texto do manifesto propunha não servir aos interesses de classes, mas sim aos interesses do indivíduo, sendo a escola o meio social para isto, ou seja, uma escola com espírito humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação.

Os educadores que assinavam o manifesto diziam que a escola tradicional estava instalada para uma concepção burguesa, deixando o indivíduo numa autonomia isolada e estéril. O documento defendia ainda, uma educação com função essencialmente pública, única e comum a todos, sem privilégios econômicos de uma minoria. Os professores com formação universitária, ensino gratuito e obrigatório. Contrários ao costume de muitas escolas da época, os pioneiros pronunciaram-se favoráveis à escola mista e, questionando os princípios da educação católica, defendiam uma educação laica, o que distanciaria a educação de questões religiosas e a aproximaria das questões sociais, dando oportunidades iguais a pessoas de ambos os sexos, e de diferentes credos e camadas sociais.

O Manifesto dos Pioneiros também primava pela relação entre diferentes níveis da educação entre si, e destes níveis com o nível de desenvolvimento psico-biológico dos alunos, bem como pela relação entre a escola, o trabalho e a vida: entre a teoria e a prática, em favor do progresso.

O grupo defendia uma educação nova, por um princípio de renovação, e deste modo, deveria começar na escola, democratizando o acesso, organizando a estrutura interna e as relações desta instituição com a sociedade local, principalmente a partir das famílias e construída sobre os pilares do escolanovismo, também conhecido como Educação Nova, concebido e organizado por educadores (as) europeus e norte-americanos no final do século XIX.

A proposta apresentava uma nova forma de compreender as necessidades da infância e questionava o modo como a escola tradicional trabalhava com as crianças. Para tanto, o escolanovismo tinha por meta a renovação da mentalidade dos educadores mudando suas práticas pedagógicas, cujo objetivo principal era colocar o educando como centro no processo educativo.

Assim, o manifesto foi debatido amplamente entre os estados e foi ganhando força e impulso para um debate nacional sobre a educação no país, inaugurando deste modo, uma nova política de educação no Brasil. A reforma consolidava uma concepção democrática da existência, onde o respeito ao elemento humano, especialmente o respeito pedagógico deveria ser incondicional.

Deste modo, (AZEVEDO, 1932, p. 59) defende, então, “uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional”, abrangendo “dos jardins de infância à Universidade”, apelando a “um conceito dinâmico” que remete “não à receptividade, mas a atividade criadora do aluno”, no intuito de levar “à formação da personalidade integral” do estudante e “ao desenvolvimento de sua faculdade criadora e de seu poder criador”. Para isso, a escola deveria adotar os “mesmos métodos (observação, pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas”.

O “ponto nevrálgico da questão” (AZEVEDO, 1932, p. 60) é o ensino secundário, cuja solução consiste em afastar os “obstáculos” postos pela escola tradicional à interpenetração das classes sociais”, os quais sempre mantiveram a escola secundária como “reduto dos interesses de classe” – de uma “classe, a (burguesia)”. É preciso que a escola secundária seja “unificada”, para assim “evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais”. Para realizar essa meta, o Manifesto (AZEVEDO, 1932, p. 61) prevê que o secundário forme em 3 anos “a base de uma cultura geral comum”, diversificando-se, a partir daí, para se adaptar “à diversidade crescente de aptidões e de gostos” e “à variedade de formas de atividade social”.

O documento apresenta também o “conceito moderno de Universidade”, de maneira a discutir o “problema universitário no Brasil”. Tal conceito é todo assentado na idéia de ciência, pois expressões a ela relacionadas estão invariavelmente presentes, sempre que o texto caracteriza o ensino superior. O Manifesto (AZEVEDO, 1932, p. 61-62 ) diz que a educação superior no Brasil não pode “erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional”; as novas instituições de ensino a serem criadas para corresponder “à variedade de tipos mentais” e “necessidades sociais”, deverão abrir “um campo mais vasto de investigações científicas”, servindo não só à “formação técnica e profissional”, mas também “à formação de pesquisadores”, completando assim a “tríplice função” da universidade: “elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência feita)” e “vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão universitária, das ciências e das artes”.

Assim, entre vaias e aplausos, o Manifesto desafiou grande parte dos educadores da época , a repensar seu papel e defender uma educação com função pública onde não houvesse somente privilegiados ricos, mas sim onde todos tivessem acesso à uma educação capaz de transformar o ser humano e o meio em que está inserido.

Referências

ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

AZEVEDO, F. (Org.). A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932.

AZEVEDO, F. A educação e seus problemas. 3. edição. São Paulo: Melhoramentos, 1953.

HADDAD, Sérgio. O Direito à Educação no Brasil. Relatório Final da Relatoria de Educação de DHESC no Brasil. São Paulo: Ação Educativa, 2003.

TEIXEIRA, Anísio e outros. Manifesto dos “Pioneiros da Educação Nova”

março/1932. Carta: Informe de Distribuição Restrita do Senador Darcy Ribeiro, n. 01.Brasília: Congresso Nacional, 1991.


Colaboração Edela Grau e Neusa Babichi